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Quando o Estado legisla contra o direito à educação: a inconstitucionalidade da “lei antigênero” no ES

Por Mariana Tripode – Escola Brasileira de Direitos das Mulheres


Na contramão da Constituição e dos direitos humanos, o Espírito Santo sancionou, em julho de 2025, a Lei Estadual nº 12.479, que autoriza pais e responsáveis a proibir que seus filhos participem de aulas sobre identidade de gênero, orientação sexual, diversidade e igualdade. A norma é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7847, atualmente sob relatoria da ministra Cármen Lúcia no Supremo Tribunal Federal.

O nome informal que essa norma passou a receber — “lei antigênero” — revela seu real objetivo: institucionalizar a censura ideológica e a exclusão de temas fundamentais da formação cidadã, especialmente os que envolvem sexualidade, direitos das pessoas LGBTQIAPN+ e igualdade de gênero. Para os movimentos sociais e entidades que assinam a ação, trata-se de uma tentativa inconstitucional de esvaziar a educação emancipadora garantida pela Constituição Federal.


Inconstitucionalidade e afronta à educação pública


A lei fere diretamente o pacto federativo ao invadir a competência legislativa privativa da União para tratar das diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da Constituição). Além disso, impõe uma forma disfarçada de censura prévia, desrespeitando a liberdade de cátedra, a autonomia pedagógica dos educadores e a própria concepção plural de educação prevista no art. 206 da Carta Magna.

Ao permitir que os responsáveis escolham unilateralmente quais conteúdos escolares seus filhos terão acesso — com base em convicções ideológicas —, o Estado cria brechas para um ensino à la carte, fragmentado, desigual e subordinado a valores privados, o que contraria a universalidade do direito à educação integral e crítica, conforme os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Educação.


Escola não é extensão do lar, é espaço de pluralidade


A educação escolar não existe para confirmar crenças familiares, mas para ampliar horizontes. É dever do Estado garantir que todas as crianças e adolescentes tenham acesso a conhecimentos diversos, inclusive aqueles que rompem com visões conservadoras de mundo. Isso é especialmente importante em um país com altos índices de violência de gênero, homofobia e bullying escolar.

A retirada de temas como igualdade de gênero, identidade de gênero, diversidade e linguagem inclusiva do currículo é uma forma de silenciamento. Mais do que isso: é um apagamento de realidades que compõem o cotidiano de muitas crianças e adolescentes. Proibir o debate é negar proteção, é reproduzir discriminação e reforçar estigmas.


A linguagem neutra e o direito à existência


A lei capixaba também menciona de forma velada a chamada “linguagem neutra”, frequentemente utilizada por pessoas não binárias. Ao incluir essa temática entre as que podem ser proibidas pelos responsáveis, o Estado legitima um discurso de exclusão contra identidades de gênero dissidentes. Mas o direito à educação inclui o direito de ser reconhecido, tratado e respeitado em sua existência. Nenhuma legislação pode restringir esse princípio sob pretexto de neutralidade ou liberdade dos pais.


Precedentes já afastaram projetos semelhantes


Essa não é a primeira tentativa de promover leis locais que barram a abordagem de temas de gênero e diversidade. Iniciativas semelhantes já foram declaradas inconstitucionais pelo STF, como ocorreu com os projetos ligados ao movimento "Escola Sem Partido". Em todos os casos, a Corte reafirmou que a educação deve respeitar os princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação e da liberdade pedagógica.


O que está em jogo?


Permitir que cada família decida quais conteúdos seus filhos podem aprender significa aceitar uma escola fragmentada, incapaz de cumprir sua função social e formativa. Significa, também, reproduzir desigualdades, especialmente contra meninas, pessoas LGBTQIAPN+, crianças vítimas de violência e estudantes que não se encaixam nos padrões normativos.

A EBDM se soma às vozes que defendem uma educação inclusiva, plural e comprometida com os direitos humanos. É na escola que se constrói o futuro — e esse futuro precisa ser justo, crítico e igualitário.


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