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Como a pressão estética e a gordofobia decorrentes do machismo estrutural em nossa sociedade são instrumentos de violência psicológica no âmbito da Lei Maria da Penha.

por Caroline Vargas Liebstein


RESUMO 

O presente artigo tem como objetivo analisar como a pressão estética e a  gordofobia são instrumentos utilizados por agressores de mulheres através da  violência psicológica, prevista na Lei Maria da Penha. Pretende-se também,  relacionar essa violência com todos os desdobramentos que muitas vezes  impedem que a vítima rompa com o ciclo violento na qual ela se encontra  inserida. 


Palavras-chave: Violência Psicológica, Lei Maira da Penha, Pressão Estética.  Gordofobia.


INTRODUÇÃO  

Historicamente a violência contra a mulher está presente em todas as  fases do desenvolvimento de nossa sociedade. O patriarcado criou privilégios  aos homens e colocaram a mulher em uma posição de impotência e submissão.  Assim, o cotidiano está inserido neste machismo estrutural que sufoca as  mulheres em geral e mata tanto real como metaforicamente.


Segundo Sílvia Chakian, parte do pensamento feminista nos anos 60 e  70, demonstrando que a tal inferioridade feminina não era natural, mas sim  construída. Essa desvantagem advinha do patriarcado, compreendido como  sistema histórico de poder, universal, invisível, de dominação das mulheres. 


A violência psicológica está retratada no artigo 7°, II da Lei 11.340/06 - Maria da Penha: “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que  lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e  perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,  comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,  humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição  contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização,  exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause  prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.” 

A Violência Psicológica passou a ser considerada violência contra a  mulher a partir da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a  Violência Doméstica, a Convenção do Pará. Essa convenção foi um grande  avanço na proteção internacional dos direitos das mulheres, mas foi aprovada  apenas em 1994 e ratificada pelo Brasil em 1995. 


Agressões psicológicas são ainda mais graves que as físicas, tendo em  vista que as lesões ficam marcadas na alma e não desaparecem com o passar  dos dias. Segundo José Navarro Górgora, o agressor psicológico se utiliza de  três grandes estratégias, quais sejam, submissão pelo medo, desqualificação da  imagem e bloqueio das formas de sair.  


Neste contexto é que se apresenta este estudo, que visa traçar alguns  pontos acerca dos danos que a violência psicológica contra a mulher acarreta  nos mais diversificados âmbitos de sua vida e o quanto isso a impede de se  libertar definitivamente de seu algoz. 



Gordofobia

1. A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA A PARTIR DA PRESSÃO ESTÉTICA  PRODUZIDA PELO MACHISMO 

Muitos homens que talvez até não tenham (ainda) agredido suas  companheiras fisicamente, proferem xingamentos e humilhações para  diminuírem ou impedirem a mulher de exercer a sua liberdade plena. Em uma  sociedade como a nossa, onde o culto ao corpo é uma fixação da maioria  absoluta das mulheres, ofendê-las utilizando denominações pejorativas de  cunho estético, podem trazer consequências devastadoras no psicológico das  vítimas. 

É muito comum em discussões o agressor chamar a mulher de feia, gorda  e que se ele a deixar ninguém mais irá desejá-la. Isso cria um medo e a certeza  de que ela não merece nada além daquele relacionamento violento que a  desrespeita tanto. Além disso, a vítima acaba se sentindo culpada, achando que  sua aparência é a grande causadora de sua relação não dar certo.  


Ademais, o ciclo violento cotidiano pode acarretar distúrbios alimentares  que podem mesmo levar a mulher a engordar ou emagrecer em demasia. Nestes  casos muitas vezes, quantas mulheres não ouviram conselhos de que se  passassem a se cuidar iriam despertar a atenção e o interesse de seus  companheiros. A imposição e romantização do padrão de beleza violenta as  mulheres até e principalmente dentro dos relacionamentos. Este mecanismo de  controle é típico do sistema patriarcal que objetifica mulheres as excluindo da  categoria de sujeito de direitos. Neste sentido o princípio da igualdade é  amplamente apequenado, o que favorece o cenário de violência.  


Ressalta-se que a violência psicológica é a primeira a chegar e a última a  ir embora da vida de todas as mulheres vítimas. A tortura psicológica começa  com deboches, que vão minando a autoestima, até que a proporção vai  aumentando para xingamentos, gritos, empurrões, tapas, socos, chutes, etc.  Quando a mulher consegue denunciar e pensa estar livre, mais uma vez o  agressor utiliza de violência psicológica quando ameaça tirar a guarda dos filhos,  a chama de louca, descontrolada, e descamba para termos mais chulos como  “ruim de cama”, “baranga”, “frígida”, entre outras palavras de baixo calão.  


Na absoluta certeza de que não serão julgados pela sociedade, nos  deparamos com homens que violentam mulheres de todas as formas possíveis  e ainda se sentem confortáveis a irem a público atacar a honra e a sanidade  mental de suas vítimas, o que caracteriza de forma inarredável a perpetuação  da violência psicológica mesmo depois de sanada a violência física e sexual, por  exemplo.  


A pornografia de vingança (Revenge Porn) que é a divulgação de fotos,  vídeos e conversas íntimas em redes sociais é o ápice da violência psicológica.  A mera ameaça de divulgação da intimidade gera um sentimento de impotência  nas vítimas. Existe aqui, como é comum neste tipo de violência, uma inversão da culpa. A mulher se sente culpada por ter permitido ser fotografada, filmada,  etc, além de ficar aterrorizada com o julgamento de terceiros quanto ao seu  comportamento e ao seu corpo. No entanto, é importante que as vítimas  percebam que se trata de uma violação da intimidade, a qual gera dano passível  de indenização.  


A Lei 13.718/2018 surge para alterar o Código Penal Brasileiro para entre  outros, inserir o crime de Divulgação de cena de estupro ou de cena de sexo ou  de pornografia, em seu artigo 218-C do CP. No que tange ao presente estudo, o  que deve ser frisado é o seu § 1°: 


§1° A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime  é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto  com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. 


A violência psicológica de gênero praticada no ambiente virtual se  torna ainda mais lesiva para a vítima. O machismo estrutural mais uma vez deixa  claro que um homem filmado em relação íntima, jamais terá sua honra atingida,  jamais sua intimidade colocará em xeque sua qualificação profissional, por  exemplo.  

Em contrapartida, mulheres têm suas vidas invadidas e questionadas.  “Impossível ser uma boa mãe!” “Só está neste cargo porque deve ter passado  pelo teste do sofá!” “Como teve coragem de se permitir filmar com este corpo!” “Muita celulite!” “E aquela barriga?” “E aquele peito caído?” “Ela deveria  agradecer de algum homem ter transado com ela!” “Se fosse eu, me matava, de  vergonha!” 

Inafastável perceber que a violência psicológica gera danos permanentes  na saúde das vítimas. Assim, trata-se de crime de lesão corporal, disposto no  artigo 129 do Código Penal, que determina que é crime “ofender a integridade  corporal ou a saúde de outrem.” Diante da denúncia, cabe a autoridade policial  ou judicial conceder medida protetiva de urgência. Destarte, qualquer crime  cometido mediante violência doméstica psicológica, impõe majoração da pena,  conforme artigo 61, II, f do Código Penal Brasileiro. 


1.1 AS CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NOS DIVERSOS  SEGUIMENTOS DA VIDA DAS MULHERES 


Uma mulher vítima de violência psicológica tem sua vida destruída. Uma violência que respinga em todos os seguimentos de sua vida, em especial no  seu trabalho.  


“O mercado de trabalho (um mercado de trabalho sexualmente segregado  faz parte do processo de construção de gênero), a educação (as instituições de  educação socialmente masculinas, não mistas ou mistas fazem parte do mesmo  processo), o sistema político (o sufrágio masculino universal faz parte do  processo de construção do gênero”. 


Até mesmo em relações profissionais a pressão estética e a gordofobia são  instrumentos para violentar o psicológico de mulheres. Preocupadas e cobradas  o tempo todo em estar com o cabelo alinhada, maquiadas e de salto.  


Levantando-se da cama, às vezes duas horas antes do que qualquer  homem faria, tem que verificar se a camisa não está transparente, se a saia não  mostra demais. É uma pressão que atormenta diuturnamente e que afasta a  mulher de buscar conhecimento e profissionalização na sua área. Deste modo,  muitas vezes acabam em trabalhos onde ganham um salário bem menor do que  o homem.


Quanto a gordofobia isso se torna ainda mais cruel. Uma mulher gorda  sabe que em algum momento será humilhada no trabalho. Percebe-se assim  que a violência psicológica motivada pelo culto ao corpo pune mulheres gordas  até mesmo antes de que a violência se concretize em ofensas e xingamentos. A  gordofobia é a falta de acesso. Acesso a uniformes, deboche, julgamento quanto  a capacidade e entender que uma mulher gorda não pode ter boa aparência são  uma realidade. Assim, mulheres gordas, muitas vezes, acabam em  subempregos com salários miseráveis. 


Ao se submeterem e acreditarem que não tem condições mesmo de  conseguir um trabalho melhor, com salário mais adequado às suas  necessidades, estas mulheres se mantêm muitas vezes em relacionamentos  abusivos por dependência financeira. Fica evidente o ciclo violento que se cria  na cabeça destas vítimas. Elas têm sua autoestima destruída por companheiros que as ofendem, humilham, xingam, desmerecem sua aparência, elas por sua  vez, se sentem incapazes, culpadas, perdem a esperança em si, se submetem  quando muito a subempregos, a subsalários, não conseguindo assim  independência financeira e emocional para se afastarem definitivamente de seus  agressores.  


Como dizer e fazer com que uma mulher acredite que seu potencial é  inversamente proporcional por tudo que seu companheiro agressor e a  sociedade machista como um todo lhe disse todos os dias, com palavras,  atitudes e acessos negados? 


Quantos casos têm sido denunciados e noticiados de mulheres  pressionadas a perderem peso para permanecer com o vínculo empregatício ou  como forma de ganhar algum tipo de bonificação quando em verdade sua  atividade não tem qualquer relação com o corpo.  


O feminismo vem lutando bravamente contra todo e qualquer tipo de  violência contra a mulher. No entanto, no decorrer da história, especialmente a  partir da segunda onda e terceira onda, com o avanço das mulheres em todos  os campos de trabalho parece que as mulheres no afã pela liberdade não se  deram conta de que o Patriarcado e o machismo estrutural exigiram em troca  desta liberdade, uma prisão da qual é muito difícil se perceber e se afastar.  


Os homens passaram a usar a beleza das mulheres como moeda de troca  entre eles. Conforme Naomi Wolf:  


“No momento em que as mulheres escapavam da venda de sua  sexualidade num mercado matrimonial ao qual estavam confinadas pela  dependência econômica, sua nova busca de independência econômica, se  defrontou com um sistema de permuta quase idêntico. E quanto mais as  mulheres galgaram nesse período os degraus das hierarquias profissionais,  tanto mais o mito da beleza se encarregou de atrapalhar cada passo.” 

Ainda segundo Naomi Wolf, esse sistema baseado na beleza se baseia  no medo e este medo é necessário para a sobrevivência das estruturas de poder.  Este temor acompanha as mulheres e as violenta psicologicamente do momento  em que elas acordam até adormecerem cansadas e eternamente insatisfeitas.  Sempre acreditando que poderiam dar mais, como mulheres, mães,  profissionais, etc. 


Juridicamente já se busca a muitos anos enquadrar a violência doméstica  como crime de lesão corporal, tendo em vista que afeta a saúde emocional da  vítima de modo inequívoco. O Projeto de Lei PL 741/2021, aprovado pela  Câmara dos Deputados, torna crime a violência psicológica contra a mulher. O novo crime consiste em : “Causar dano emocional à mulher que lhe prejudique  e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas  ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,  constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem,  ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe  cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.” 


CONSIDERAÇÕES FINAIS  

A violência doméstica é a mais comum das violências e por outro lado é  a mais difícil de se provar dentro de um processo que busque punir o agressor.  É uma violência que faz parte do nosso cotidiano patriarcal e machista e se  desvencilhar dela é um desafio do qual não podemos fugir. 


Humilhações, deboches, constrangimentos advindos de comparações entre os corpos de mulheres, xingá-las de feias, gordas e dizer-lhes que ninguém  jamais as desejará coloca essas vítimas em uma situação de vulnerabilidade  emocional de consequências arrebatadoras. Tanto que esses comportamentos perpetuam a cultura do machismo, fazendo com que os filhos deem sequência a esta conduta, sejam as meninas como futuras vítimas quanto os meninos como  agressores. 


As ofensas verbais reiteradas destroem a autoestima e torturam as  vítimas de violência psicológica. A convivência diária com o medo de toda e  qualquer atitude que venham a ter, seja com chantagem e ordens para que  troquem de roupa, tirem a maquiagem, deixem de ir a algum lugar previamente  combinado, fazem com que a mulher perca a esperança em si mesma.  


Fica muito evidente o quanto um padrão estético é estabelecido também  dentro de um relacionamento abusivo. Inicialmente, o agressor nutrido pelo seu  machismo exige da mulher um comportamento submisso, com roupas recatadas e pouca ou nenhuma maquiagem. Depois de tirar-lhe toda autoestima, exige que  ela não trabalhe fora de casa, ou se “permite”, esta mulher já está tão fragilizada  que se submete a subempregos e subsalários, até porque não tem estrutura  emocional para se dedicar em alguma atividade que demande mais atenção.  Mas com o tempo, este mesmo homem começa a reclamar de sua aparência,  de sua forma física, a ofendendo por isso, a comparando com outras mulheres,  etc. 


Por todo exposto, pode-se concluir que a violência psicológica está  presente também em todas outras violências elencadas na Lei Maria da Penha,  seja física, moral, sexual, patrimonial e qualquer outra que possa ser nominada.  Como já mencionado, essa violência que atinge a vítima de forma visceral não  cessa mesmo quando a mulher consegue o afastamento de seu agressor,  mesmo sendo este o principal fator que impede que mulheres rompam com  relacionamentos violentos. As feridas fazem cicatrizes indeléveis na alma e  trazem sequelas definitivas.  




Gordofobia

Conheça a autora:


Secretária Executiva EBDM


Graduada em Direito pela Ulbra/Canoas, pós graduada em Direito das Famílias pela FMP/RS.  Especialista e estudiosa em Pressão Estética, Gordofobia e Estereótipos de Gênero. É secretária da EBDM desde agosto de 2021.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRASIL. Lei Maria da Penha n°11.340/2006.

Disponível em htpp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.  Acesso em: 14/07/2021 


CHAKIAN, Silvia. A construção dos direitos das mulheres: histórico, limites e  diretrizes para uma proteção penal eficiente – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. 


DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça - 6° ed. – Salvador:  Editora JusPodivm, 2019. 


WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra  as mulheres – Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.

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