Mulher condenada por não ter cumprido "dever conjugal" processa França no Tribunal Europeu
Um tribunal francês concedeu o divórcio por culpa exclusiva da mulher, porque esta recusava-se a fazer sexo. Agora, a mulher quer que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos puna a justiça francesa.

Na semana passada, uma mulher de 66 anos recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) contra o estado francês por “interferência na vida privada” e “atentado à integridade física”. Como contou a Franceinfo, em 2019, a mulher afirma que três juízas “impuseram” que cumprisse o “dever conjugal” de fazer sexo com o marido, concedendo ao marido o divórcio por “culpa exclusiva” desta.
No acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância de Versalhes, decidiu conceder-se o divórcio, considerando que os factos foram “comprovados pela confissão da esposa”. Barbara, agora com 66 anos, tem quatro filhos e as três juízes consideraram que a recusa em ter relações sexuais “constitui uma violação grave e continuada dos deveres e obrigações do casamento, tornando intolerável a manutenção da vida comum”. Apesar de ter sido condenada, Barbara não teve que pagar nenhuma indeminização ao ex-marido. Desde 1992 que a mulher sofria de vários problemas de saúde que derivaram numa incapacidade, algo que não terá sido considerado pelo Tribunal.
Duas associações francesa pela defesa dos direitos das mulheres, a “Fundação das Mulheres” (Fondation des femmes) e o “Coletivo Feminista contra a Violação” (Collectif féministe contre le viol) consideraram deplorável que a justiça francesa “continue a impor o dever conjugal”, “negando assim o direito das mulheres de consentir ou não nas relações sexuais” . Além disso, lembram que “em 47% dos 94 mil anuais de violação [do país], incluindo a tentativa, o agressor é o marido ou ex-marido da vítima”.
A advogada da mulher, Lilian Mhissen, falou à agência de notícias espanhola Efe, como noticiou o El Español. De acordo com a jurista, este processo interposto no TEDH tem como objetivo eliminar o “princípio” de culpabilidade nestes casos. Mhissen refere ainda que “na lei francesa, não há obrigação de manter relações sexuais”. Este pressuposto, diz, “é uma interpretação feita por juízes que remonta ao direito canónico da época de Napoleão (século XIX) e que perdura ainda em França”.
Pedimos que termine a interpretação da fidelidade e da convivência como obrigação de relacionamento”, diz a advogada da mulher.
Mhissen adianta que considera “surpreendente” que esta condenação tenha sido feita por três juízas. Uma decisão pelo TEDH pode ainda demorar anos, mas, segundo a advogada, o país pode começar a julgar no sentido certo: “Em França, já existe uma decisão no mesmo sentido. A violação conjugal está prevista. Porém, perante um juiz civil, se a mulher não quiser um relacionamento, está a cometer uma falha”.
Mhissen lembrou que já houve outras condenações em França por incumprimento desta obrigação conjugal no casamento: “Em 2011 foi um homem que foi condenado por não dormir com a mulher”. Resultado? Teve de lhe pagar 10 mil euros.
Não sendo caso único, também em janeiro de 2015 o Le Parisien relatava uma sentença do Tribunal de Casación quando os juízes reconheceram que a recusa de manter relações sexuais por mais de oito anos constitui uma falha, ainda que se excluam dessa recusa condições médicas das pessoas envolvidas. O que aconteceu com Bárbara, que desde 1992 enfrentou vários problemas que derivaram em deficiência.
Fonte: Observador