A Lei de Alienação Parental é sobretudo uma ferramenta de proteção de homens que além de os colocar em um local de vítima, impossibilita ou dificulta sobremaneira enxergá-los como violentos, inclusive sexualmente e contra suas/seus filhas/os. Sua utilização como argumento de defesa nos casos em que há denúncia de abuso sexual, além de ser uma possibilidade fixada na Lei e amparada em todo o raciocínio que embasa a pseudociência, possui relação direta com o contexto histórico e social no nosso país, marcado pela cultura do estupro, que protege agressores e legitima sua violência punindo as reais vítimas.
No início de julho, Felipe Prior foi condenado a seis anos em regime semiaberto pelo crime de estupro cometido contra uma colega de faculdade. A vítima foi ouvida pelo Fantástico, onde narrou o ocorrido. Conforme relata, Prior apenas parou de forçar a penetração quando percebeu que a vítima sangrava muito. Chegando em casa, foi levada pela mãe ao hospital, onde a médica atestou uma laceração de grau um devido ao estupro.
Veiculada a matéria, o ex-BBB começou a receber apoio de diversas pessoas, inclusive, chegou a gravar um vídeo, disponibilizado em seu instagram, onde agradece pelas mensagens de solidariedade. Além dos comentários de apoio no vídeo e no comunicado assinado por seus advogados, é possível perceber que Prior perdeu apenas 200 mil seguidores na rede, indo de 6 milhões para 5,8 milhões.
O apoio que recebeu, não se restringe ao seu caso.
Em 1989, Alexi Stival, mais conhecido como Cuca, técnico brasileiro e ex-jogador de futebol, foi condenado na Suíça por atentado ao pudor com uso de violência. Seu sêmen foi encontrado no corpo de uma garota de apenas treze anos de idade, prova relevante em sua condenação, entretanto, nunca cumpriu sua pena. Quando chegou no Brasil, à época, foi recebido juntamente com seus amigos que também participaram do crime, como herói.
Este ano, passados mais de 30 anos de sua condenação, ao ser anunciado como novo técnico do Corinthians, a torcida iniciou uma série de protestos nas redes sociais e, após uma semana no time, o técnico pediu demissão. Em seu último jogo, ao final, os jogadores se juntaram e o abraçaram em gesto de apoio e solidariedade por sua saída, ocorrida diante das pressões pela condenação. Em pronunciamento, Cuca afirmou que o questionamento à sua honra e à sua dignidade é a pior coisa que um homem pode passar, se colocando como vítima diante da reação da torcida, quando, na verdade, trata-se de uma reação a ao crime de estupro de vulneravel, ao qual foi condenado.
A visão de que homens abusadores devem ser protegidos em detrimento dos direitos e da saúde de mulheres e crianças é manifestada também pelo judiciário, a exemplo do caso Mariana Ferrer. Mariana, vítima de violência sexual, foi exaustivamente exposta e julgada moralmente em audiência e ao longo do processo, quando o comportamento que deveria ser analisado era de André Aranha, quem lhe violentou. Essa foi uma das táticas da defesa de Aranha para buscar sua absolvição.
É também dessa forma que age a pseudociência da Alienação Parental. Afinal, diante de uma denuncia de abuso sexual contra a criança, a utilização da suposta teoria como argumento de defesa faz com que os magistrados se voltem ao comportamento da genitora que realizou a denuncia, gerando, no mínimo, receio à condenação. Além da absolvição, nas varas cíveis os magistrados, com amparo na Lei, estabelecem medidas extremamente severas como a imposição de multas altíssimas e, até mesmo, a inversão da guarda, potencializando fortemente os riscos aos quais a criança/adolescente está submetida.
No encontro do Clube de Jurisprudência da EBDM realizado em 19.07.2023, conversamos sobre um acórdão e sua respectiva sentença, onde a genitora foi condenada ao pagamento de 40 salários-mínimos a título de danos morais por denunciar o genitor por estupro de vulnerável. Apenas pela leitura da decisão, é nítida a empatia e a solidarização do magistrado de primeira instância com o Autor/Genitor, que a todo momento defende a honra dele como se sua fosse. A decisão foi mantida em segunda instância.
Como disse a Fernanda Pereira na defesa de sua monografia, a Alienação Parental é uma ferramenta "nova" para uma tática antiga: taxar as mulheres como loucas, vingativas e más. E aqui acrescento, para a proteção de homens, seus interesses e suas violências.
Crianças e adolescentes, por sua vez, são deixadas de lado, sem que seus melhores interesses sejam efetivamente analisados. Sua proteção é resumida à convivência com o genitor, mesmo quando ele lhe violenta ou quando ao menos se suspeita que isso ocorre.
O homem cis, hetero, branco, proprietário, é o maior bem a ser protegido e, para isso, magistrados também se utilizam da desumanização de mulheres e crianças/adolescentes, o que fica evidente nos casos de violência sexual.
As lutas pelo reconhecimento e pela garantia dos direitos das mulheres e crianças e adolescentes no Brasil ultrapassam a revogação da pseudociência da Alienação Parental, mas devem, necessariamente, passar por ela. A manutenção da Lei assim como da pseu
dociência que a embasa, representa a institucionalização de uma ferramenta essenc
ialmente patriarcal, misógina e adultocêntrica.
Tratando-se dos casos de violência sexual, contribui inclusive para a subnotificação dos casos no país, uma vez que a simples denúncia é suficiente para a prática de violências institucionais.
Não precisamos da Lei de Alienação Parental. Precisamos da efetivação do ECA através da compreensão fundamentada, científica, do que são os melhores interesses das crianças e adolescentes, do que de fato significa sua proteção integral. Precisamos do fortalecimento e da observância dos Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil e que garantem uma vida sem violência, inclusive no exercício da maternidade.
Conheça a autora:
Nathálya Ananias - Associada EBDM
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