A Boa Feminista lê a Má Feminista

Se ser mulher cansa, ser feminista cansa muito mais porque sentimos que temos sempre que estar à altura, responder, bater o pé, encher o peito de coragem e enfrentar o patriarcado a cada afronta, pequena ou grande.
Ler A Má Feminista (de Roxane Gay, no original Bad Feminist, que ainda não se traduziu por cá) começou a parecer uma conversa entre amigas, assim uma espécie de pen pal sem a parte da resposta que segue no correio para ser lida umas semanas depois. Gay escreve precisamente sobre a tal falta de coerência do feminismo para se assumir má feminista. Ei! O feminismo não é perfeito, e não há mal nenhum nisso. I hear you, Roxane, I hear you…
Quem é A Boa Feminista A Boa Feminista descobriu-se feminista algures na vida, mas cedo percebeu que as coisas eram mais complicadas do que pareciam. Não teve livros na infância, e a vantagem disso foi não saber as coisas tão “interessantes” que a Anita andava a fazer. Hoje, A Boa Feminista lê e faz coisas todos os dias. E depois escreve sobre isso. Anda à procura do feminismo escondido debaixo das pedras do quotidiano, preenchido com a investigação académica (sim, os Estudos Feministas andam lá pelo meio…), uma filha e tudo o resto que se mete pelo caminho. Como A Boa Feminista se sente um colectivo e não um indivíduo, escolhe não assinar com o nome que a identifica
Vamos lá tentar focar-nos no que nos aproxima e não no que nos separa, enquanto vamos sucumbindo ocasionalmente a um ou outro guilty pleasure. A mim parece-me uma boa estratégia. Se ser mulher cansa, ser feminista cansa muito mais porque sentimos que temos sempre que estar à altura, responder, bater o pé, encher o peito de coragem e enfrentar o patriarcado a cada afronta, pequena ou grande. Ora, este é um trabalho interminável e rompe muitas solas de tanto bater o pé. A dada altura é mesmo difícil manter o espírito, sucumbes ao cansaço e simplesmente deixas que te abram a porta do carro sem reclamar.
De facto, o encontro com o feminismo é transformador, embora tenha um senão: mergulhar de cabeça no lago cristalino do feminismo, que às vezes se assemelha a um autêntico lodaçal, pode ser mais difícil do que umas ocasionais sessões de psicanálise que têm o objectivo de arrancar as raízes de todo o mal que assola o ser. Estas raízes são fortes, muito fortes, e o máximo que se consegue é mesmo levantar a terra e expor o órgão da planta (perdoem a metáfora mulher-terra-natureza, mas por favor deixem-me abusar dos estereótipos que sempre me facilita um bocadinho o discurso). O resultado é uma fractura exposta. Ou várias.
Nós, mulheres entradas e quase de saída dos trintas (ó década gloriosa!), olhamos para as jovens de hoje, quase empoderadas desde a nascença, e não podemos deixar de pôr um olhinho lá atrás e estremecer perante o quadro sombrio de relação amor-ódio com todos os tiques patriarcais da sociedade, todos os momentos impróprios e abusivos que não soubemos reconhecer, toda a falta de esperteza a enfrentar os lobos que se tornariam fantasmas, e a terrível, terrível arrogância de achar que o feminismo simplesmente já não era necessário; afinal, estávamos um degrau acima das gerações de mulheres analfabetas e submissas que nos precederam e éramos tãããooo livres que nos podíamos comportar tal e qual como os homens, embora fôssemos incapazes de reconhecer as consequências que daí advinham (Olá, preconceitos de género! Por aqui?).
Fonte: https://www.publico.pt/